E… Vá a Verdade ao inferno

Haverá um momento talvez,
E não será uma revolução maior que toda as outras?
Em que será preciso dizer não.

Não, palavra rotunda, sublime.

Um momento em que será preciso dizer à vontade:
basta.
Ao desejo: não quero.
À velocidade: mais devagar.

Um momento em que será preciso que nos olhemos
no espelho sem fundo
E perguntemos: o quê?
O que será nosso sentido? Qual será nosso destino?
E nem diremos a anêmica palavra felicidade,
Nem a utópica palavra plenitude, nem a modesta
expressão paz de espírito,
Nem entreveremos o semblante de Deus.

E… vá a verdade ao inferno,
Maior que ela é a beleza,
Maior é a alma tão presa
pelos roedores do eterno!
Caldeira com eles, queremos
A essência humana mais pura,
Mesmo que depois seja a loucura,
Nem nada mais respeitemos!

Escrevamos versos maus!
Roubemos outros autores!
Sejamos maus pagadores!
Todos somos livres no caos!
Que a noite desça outra vez
Cheia de encantos e lendas,
E os sonhos cubram de vendas
Os nossos olhos sem leis!

Pois esta é a nossa utopia
O nosso sonho anacrónico,
Com o negro céu polifónico
Cobrir o império do dia!
E assim rolar nos espaços
Dançando, sempre dançando
No bosque eterno e sonhando
Com as flores dos nossos passos!

Eu vi os grandes homens na taberna,
Vi todos inclusive Jesus Cristo
Por sob um asterisco nunca visto
Dos espinhos que caíam pela perna.

Estavam palestrando a beber vinho
E espiando o bailado das coristas,
O fumo se espalhava pelas pistas
E a cerveja seguia o seu caminho.

Falavam sobre a condição humana
Com ideias péssimistas, teosóficas,
Otimistas, vulgares, filosóficas,
Estranhas, radicias… cheirando a cana.

Sentei-me molemente no meio deles
Falei, e era um só tema, uma só cena…
Não se era de dar, mas deu-me pena
Porque os únicos homens eram eles.

– Alexei Bueno in As escadas da torre

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